07/01/2009

Descrição de uma personagem

“Vê se ao menos me engole, mas não me mastigue assim”
Cazuza


Sentada, reclinando o peso que sentia em seu peito contra seus joelhos protuberantes, ela abraçava as duas canelas juntas, tão finas quanto dois pedaços de bambu cortados ainda verdes. E verde era a sua única meia-calça que delineava sob o trançado tingido de algodão todas as curvas detalhadas de sua pele clara, agarrando-se e esticando-se sob o músculo fino entre ossos estridentes. Enquanto lentamente, num compasso eternizante, impulsionava-se para frente e para trás quase sem esforço, num leve subir e descer de dois pés delgados e sem graça que remexiam e se confundiam com a areia branca. O barulho do mar ruidoso chegava distante e quase não passava por entre as orelhas pequenas e sem adornos rodeadas por cabelos compridos tão ondulados e laranjas quanto o fogo que aquecia a noite. Atenta aos estalos da madeira queimando, seus compridos olhos verdes e amarelos de uma beleza apagada, seguiam com sua delicadeza o movimento suave das fagulhas do fogo ao vento. Sobre o casaco vermelho, folgadamente lhe envolvendo o tronco nu, um cobertor completava a fina tênue linha que traçava a vida desta pessoa, enquanto ela mesma esquecia o próprio pensamento ao morder com seus certeiros dentes carnívoros o lábio carnudo da boca vazia. Ela era uma pessoa sozinha dentro de uma noite altiva, como o seu desejo suprimido na ação nula do seu dia a dia, tão tranqüilo quanto o correr dos carros sob o sol do meio dia, na avenida agora adormecida.



Nenhum comentário:

Postar um comentário